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Vote na Oliveira do Mouchão

 

Oliveira do Mouchão, em Mouriscas, na corrida ao título de “Árvore do Ano 2021”


A Oliveira do Mouchão, em Mouriscas, é uma das dez árvores finalistas do concurso “Árvore do Ano 2021”, promovido a nível nacional pela UNAC - União da Floresta Mediterrânica.

O concurso pretende eleger a árvore que irá representar Portugal no concurso europeu “TREE OF THE YEAR 2021”, sendo que as votações decorrem online, através do site https://portugal.treeoftheyear.eu/Vote, e estão abertas até às 23:59 de dia 23 de novembro.

A Câmara Municipal de Abrantes apela a todos os cidadãos do Concelho para votarem nesta árvore milenar.



Ilustração de Mariana Simões
 
Ilustração de Mariana Simões

De acordo com as regras de votação, elaboradas pela organização, cada pessoa só poderá votar uma vez, sendo que o votante seleciona duas árvores e confirma o voto com uma conta de e-mail válida. O voto é validado através do link recebido no e-mail. Se não validar o voto, este será considerado nulo. Não serão admitidos votos provenientes de contas de e-mail temporárias, robots ou outras fontes suspeitas.

Cada uma destas árvores tem uma história e neste concurso ela é valorizada, tendo em conta o papel que tem da comunidade onde se encontra.

A apresentação pública dos resultados acontecerá no dia 26 de novembro.


Ilustrações de Mariana Simões/CMA

 

A Oliveira do Mouchão


No lugar de Cascalhos, freguesia de Mouriscas, localiza-se a Oliveira do Mouchão, a mais antiga de Portugal. Esta oliveira (Olea europaea L.) foi classificada como arvoredo de interesse público em 2007, num processo despoletado pela Câmara Municipal de Abrantes.

 

 

A oliveira foi, entretanto, objeto de estudo recente levado a cabo pela UTAD — Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro que, por força da metodologia descrita na Patente Portuguesa NP 104183, veio atestar que a dita oliveira tem, na realidade, 3350 anos.

 


A Oliveira do Mouchão, para além de ser um maravilhoso exemplar, com tronco oco, um perímetro base de 11,2 metros e forma sui generis, está bem presente nas memórias das populações locais.

 

 
Diz-se que os pescadores se juntavam ali, na oliveira velha, e era de lá que seguiam para os pesqueiros ou pesqueiras, estruturas à beira Tejo onde se pescava. O primeiro a chegar ao rio procurava ficar com a pesqueira do Mouchão, que era a melhor de todas. Por isso ficou a designação de Oliveira do Mouchão.

 

Mais de 3 milénios fizeram desta oliveira testemunha silenciosa de Fenícios aventureiros, de Celtiberos e de Romanos que se deliciaram com o seu azeite. À sua sombra, Cristãos e Muçulmanos selaram acordos. O vento que lhe assobiou nos ramos escutou a bravura de mourisquenses que combateram franceses invasores.

 


Oliveira do Mouchão

Abrantes e o azeite: a origem


A origem da oliveira, na sua forma primitiva de zambujeiro, remonta à era terciária. O zambujeiro (oliveira-brava), autóctone na Península Ibérica e comum em Abrantes, foi o porta-enxerto utilizado pelos fenícios para introduzir na região as primeiras oliveiras oriundas do Mediterrâneo. Terá sido, no entanto, com as invasões romanas que esta cultura conheceu maior difusão.

Da oliveira, que simboliza a paz, a sabedoria, a abundância e a glória, nasce o ouro líquido, designação atribuída pelos fenícios ao azeite.

Existem vestígios do cultivo da oliveira com mais de 6 mil anos. No entanto, foram os árabes os grandes impulsionadores desta cultura.

Azeite

É também de origem árabe o vocábulo al-zait, que significava sumo de azeitona.

Após a fundação de Portugal, os primeiros reis já referenciavam o azeite em forais, o que prova a sua importância económica e na vida das populações. A região de Abrantes já nessa época ocupava lugar de destaque na produção do notável ouro líquido.

A expansão do cultivo da oliveira por todo o país deu-se nos séculos XV e XVI.


O azeite é um produto muito rico, com inúmeras funcionalidades e características medicinais, bem como hidratantes. Gregos e romanos, para além da utilização na dieta alimentar, usavam-no como combustível para iluminação, lubrificante de utensílios agrícolas, unguentos, impermeabilização de tecidos e como medicamento.



 
Abrantes conserva desde tempos imemoriais a tradição da olivicultura, da apanha da azeitona e do fabrico tradicional do azeite. O concelho ocupalugar de destaque na produção nacional de azeite e na sua comercialização para outras regiões, tanto no país como no estrangeiro.

A cultura da oliveira no concelho teve notável incremento entre os séculos XIII e XVI. O Livro de Posturas de Abrantes continha referências específicas aos olivais e regulamentava a sua proteção. A tríade mediterrânica cereal, vinha e oliveira era uma constante na região. Nos séculos XV e XVI seguia muito azeite de Abrantes para a capital, que era exportado para todo o Império.

A instalação da fábrica União Industrial Lda., em 1860, criadora do Azeite Gallo, a marca mais antiga e famosa do país, afirmou Abrantes como região produtora de azeite por excelência. Os pequenos produtores também podiam escoar a sua produção através desta fábrica.

Abrantes assumiu-se como plataforma logística entre o Ribatejo, a Beira, o Alentejo e a capital, tendo-se instalado aqui uma parte substancial da indústria portuguesa de azeite e de equipamentos oleícolas.

Azeite

A Companhia União Fabril, em Alferrarede, publicitou o Foskamónio como o adubo por excelência para o olival, tendo sido a maior produtora europeia do seu tempo. As empresas Jesuíno Ferro e Simão & C.ª fabricaram seiras e capachos de cairo, esta última no seu período áureo foi ainda grande armazenista e exportadora de azeite e azeitona.

Localmente ainda subsiste a Sifameca — Sociedade Industrial de Fabricação Mecânica de Seiras e Capachos. Preserva a tradição da arte da produção das seiras e capachos, em Mouriscas, que até meados do séc. XX eram produzidos em esparto.


História e curiosidades


1459
Os representantes da vila de Abrantes nas Cortes de Lisboa queixavam-se da falta de cereais, informando, todavia, que abundava o peixe e o azeite.


1552
Dos 1490 barcos de navegação fluvial, que havia recenseados entre Abrantes e Lisboa, 180 pertenciam a Abrantes, 100 destes de carreira e 80 de pesca. A capital do Reino era abastecida diariamente de carvão, palha, cereais, azeite, vinho e muitos outros produtos embarcados no porto de Abrantes.


1608
Uma carta concedia licença aos moradores de Abrantes para poderem pagar com azeite as suas dívidas aos mercadores.


 
1832
Ficou concluído um importante lagar de azeite junto a ponte do Pisão do Bruxo, sobre a Ribeira de Arcês, em Mouriscas.


1867
A iluminação pública da vila de Abrantes, a candeeiros de azeite, começou a ser, paulatinamente, substituída por novo sistema, a petróleo.


1944
Subsídios para a história económica do Ribatejo afirmavam ser a produção de azeite uma das indústrias mais afamadas do concelho de Abrantes, com 157 lagares.


1965
O Grémio da Lavoura de Abrantes, Constância, Sardoal e Mação organizou um “Colóquio sobre olivicultura moderna”, que terá constituído o primeiro encontro nacional de olivicultura do país.


 
Sabia que?
Existem mais de 1000 variedades de azeitonas, cada uma com características próprias e sabor único. Em Abrantes, a azeitona predominante é a Galega, que depois de colhida dá origem a um azeite frutado de sabor doce. Outras variedades coexistem, como a cobrançosa, a ardequina ou a picual, dando ao azeite aroma e sabor frutado de azeitona verde, amargo e picante.




Esparteiros Mouriscas

Esparteiros arte de entrelaçar


Em Mouriscas, concelho de Abrantes, existe, desde tempos imemoriais, uma importante atividade artesanal de trabalho em esparto.

Desde meados do séc. XX, passou-se a usar o cairo para produção de seiras e capachos, utilizados no processo tradicional de produção de azeite, que tende a extinguir-se, devido ao reduzido número de artesãs que ainda a desenvolvem e à modernização dos lagares.


A comunidade mourisquense sempre valorizou a produção de seiras e capachos, surgindo o termo esparteiro em múltiplas dimensões da sua toponímia. Apesar da aposta que em tempos se fez na diversificação da produção, com tapetes e carpetes em cairo, esta é uma atividade que tende a desaparecer.


O Município de Abrantes decidiu conceber um projeto tendo em vista a recuperação da produção em cairo, em moldes tradicionais, que candidatou ao Programa Tradições da EDP 2018/2019, tendo sido um dos premiados e alvo de financiamento.

 
No âmbito do projeto, será efetuado o levantamento e registo da história e das técnicas associadas à atividade dos esparteiros. Produzir-se-ão instrumentos e ferramentas usados na produção de seiras e capachos. Para além disso, capacitar-se-ão monitores e jovens artesãos na arte de entrelaçar, os quais se apresentarão publicamente em eventos de âmbito local e nacional.

Neste projeto, o Município trabalhará em parceria com a Junta de Freguesia de Mouriscas, a Escola Profissional de Desenvolvimento Rural de Abrantes, o Grupo Etnográfico Os Esparteiros de Mouriscas, o CRIA — Centro de Recuperação e Integração de Abrantes e a empresa Sifameca — Sociedade Industrial de Fabricação Mecânica de Seiras e Capachos.


 

Abrantes: um fio de azeite com dois mil anos


Segundo Jorge de Alarcão, o zambujeiro, ou oliveira brava, espécie autóctone na Península Ibérica, serviu aos fenícios, antes dos romanos, de porta-enxerto das primeiras oliveiras aqui introduzidas, embora tenham sido os últimos os que mais contribuíram para o desenvolvimento da sua cultura, a que os árabes deram um novo impulso.

Do que não restam dúvidas, segundo autores como Leite de Vasconcelos ou Gama Barros, é que a cultura da oliveira se desenvolveu no nosso território de sul para norte. Gama Barros supõe ser a produção de azeite inexistente ou insignificante até ao século XIV nos territórios iniciais da monarquia portuguesa, mas já a referencia a partir do século XII e XIII em documentos, na Estremadura e Alentejo, onde se terá desenvolvido sob influência árabe. Orlando Ribeiro também a considera inicialmente «uma cultura mais meridional, da Estremadura e do Alentejo, rara na maior parte da Beira e em todo o Norte».

Na realidade, os primeiros forais das cidades e vilas da Beira Alta, Douro, Minho e Trás-os-Montes, não fazem qualquer referência ao azeite, que ainda nem estaria nos hábitos alimentares das suas populações, começando as suas referências documentais no norte no século XIV, mas como produto importado de outras regiões. Contudo, no século XIII o azeite já é um produto relevante do comércio externo português e no século XIV já são referenciados como importantes os olivais do Centro e Sul de Portugal. Nesta época temos já as primeiras provas documentais da sua exploração em Abrantes, através de um dos primeiros contratos de aforamento, no reinado de D. João I, que concede a Nuno Fernandes de Almeida, entre outros, um quarto da azeitona da várzea aforada, sob o castelo.

No século XV dá-se uma generalização da circulação interna dos produtos agrícolas, entre os quais o azeite, que começa também a ser exportado, vindo a expansão ultramarina a dar-lhe um novo impulso, dadas as suas aplicações alimentares e de iluminação. Os forais de D. Manuel, cuja reforma se inicia em 1497, já demonstram um consumo generalizado do azeite e a sua importância económica, pois todos o taxam com o imposto de portagem.

Alguns autores referem Tomar e toda a região centro, onde não pode deixar de se incluir Abrantes – que na altura até é referenciada estatisticamente como parte integrante da comarca de Tomar – como locais de enorme crescimento da produção nos séculos XV e XVI, que transformarão o porto de Lisboa num grande centro de comércio do azeite destinado a África, às Índias e a destinos europeus como Bruges e Antuérpia. Abrantes não pode, de facto, deixar de ter um papel predominante nesta importância da comarca de Tomar e da região centro, tratando-se do berço do maior porto fluvial interior do país, a partir do qual são expedidos para a capital, os produtos locais, mas também os das beiras e do Alentejo.

Nesta época, segundo José Manuel Gouveia, In “O azeite em Portugal”: «A zona produtora de azeite abrangia quatro regiões: Beira, Estremadura, Alentejo e Algarve. Os grandes centros produtores situavam-se a sul do Mondego: Coimbra, Tomar, Abrantes, Torres Novas, Santarém, Lisboa, Montemor-o-Novo, Elvas, Évora, Alvito, Estremoz, Beja e as terras do Algarve.» Aliás, já Pinheiro Chagas, na sua História de Portugal (8 volumes – 1869-1874), referindo-se ao século XVI e à época de D. João III, afirmara que «Santarem, Moura, Thomar, Abrantes, Estremoz, Lisboa, Elvas, Beja e Coimbra produziam azeite que chegava para o consumo e para bastante exportação.» Pinheiro Chagas conhecia bem Abrantes e desenvolvia particularmente os assuntos com ela relacionados na obra referida, pois foi militar nesta cidade, como atesta um exemplar desta História de Portugal existente na biblioteca do extinto Regimento de Infantaria de Abrantes, com dedicatória «Do Capitão Pinheiro Chagas ao seu regimento.»

Vem a propósito lembrar, para evitar análises anacrónicas que, nessa época, há que ter em consideração que Abrantes fazia parte da Estremadura e da comarca de Tomar, embora também fizesse parte do Ribatejo, que existia como região geográfica mas não administrativa. Sem ter isto em consideração, estabelecem-se grandes confusões de análise, o que se passa quando alguns autores se referem umas vezes ao ordenamento da época e outras, indiferenciadamente, ao actual mas aplicando-o anacronicamente. Conclusão: Abrantes faz efectivamente parte, desde há séculos, das grandes regiões produtoras de azeite e para afirmar isso basta a historiografia e as provas documentais.


Em 1712 é publicada a Corografia Portugueza, do padre Carvalho da Costa, onde se afirma que em Abrantes, província da Estremadura, «O solo ubérrimo é fértil em cereais, legumes, vinho, madeiras de pinho e, especialmente, cortiça e azeite que constituem a principal riqueza do concelho».

No vol. II da sua Etnografia portuguesa, publicado em 1936, Leite de Vasconcelos afirma que à data «Predominam olivais em certas regiões de Trás-os-Montes, da Beira Maritima e Baixa (C. Branco), na Estremadura (Santarem, Abrantes), no Alentejo Central e na margem esquerda do Guadiana. »

Em 1944 Francisco Câncio publica Subsídios para a história económica do Ribatejo, onde afirma que « Uma das indústrias mais afamadas deste concelho é a extracção de azeite.» Nesta obra, além de referenciar 157 lagares de azeite, descriminados freguesia a freguesia, realça ainda a existência de produção de maquinaria oleícola na Metalúrgica Duarte Ferreira e Fundições do Rossio, bem como a fábrica de espartos das Mouriscas.

Em 1937 é criada a Junta Nacional do Azeite e a partir daí, através do seu boletim, é possível acompanhar com detalhe a evolução do sector. O nº 35/36, do 2º semestre de 1954, dá-nos conta das estatísticas de 1953, um dos anos de maior produção. Portugal produz nesse ano1329720 hectolitros de azeite, contribuindo o distrito de Santarém com 330157 – quase um quarto – e Abrantes, o concelho mais produtivo do distrito, a seguir a Santarém, com 43127 hectolitros. Em termos comparativos podemos referir que os distritos de Bragança e Vila Real, produziram respectivamente 45728 e 19364 hectolitros. A província de Trás-os-Montes, nesta época, não chega afinal a produzir uma vez e meia do total da produção abrantina.

Mas para que se perceba ainda melhor a relevância de Abrantes na indústria nacional do azeite, basta atentar bem na publicidade publicada no Boletim da Junta Nacional do Azeite, nessa época. Rapidamente verificaremos que: as Fundições do Rossio de Abrantes e a Metalúrgica Duarte Ferreira se reivindicam como representantes e fabricantes dos mais modernos equipamentos de extracção de azeite e até, no 2º caso, como os maiores fabricantes nacionais; a CUF (Companhia União Fabril), com sede em Lisboa mas cuja fábrica se localiza em Abrantes, publicita o Foskamónio como o adubo por excelência para o olival, sendo conhecido que esta fábrica chegou a ser a maior produtora europeia de azoto; surge ainda publicidade à produção de seiras e capachos de cairo pelas empresas do concelho Jesuíno Ferro e Simão & C.ª, sendo esta também grande armazenista e exportadora de azeites e azeitonas.

 
Nesta altura existe há muito outro grande fabricante de azeites no concelho, a empresa Victor Guedes, detentora da mais antiga e famosa marca de azeites do país, a marca Galo. Mas vale ainda a pena determo-nos noutra publicação: “Concelho de Abrantes: a economia agrária em meados do século XX”, publicação do engº agrónomo José Correia da Cunha, como resultado de um «relatório elaborado em 1953 para o Plano de Fomento Agrário». Aqui se afirma que a cultura do olival é a que ocupa mais área e representa maior valor, seguida de longe pelo montado e depois pelo milho.

Refere este autor que a cultura do olival é de longe a mais importante do concelho, calculando a área ocupada em 20 000 hectares e apresentando dados do INE relativos à produção no decénio 1941-50, que em 1949 chegou a atingir 5335400 litros. Segundo o INE, afirma ainda, «existem no concelho 2267 explorações agrícolas com olival, e 4803 unicamente com oliveiras dispersas, o que significa que apenas 40 das 7110 explorações agrícolas do concelho não possuem oliveiras; isto diz bem da sua difusão.».

Com base nos registos da Secção de Finanças, José Correia da Cunha refere ainda a existência de 213 lagares, descriminados por freguesias, com um total de 450 prensas, das quais 395 são hidráulicas. Destaca o lagar da CUF, de 59 prensas hidráulicas, como o maior do país, mas também o de Vitor Guedes Ldª, com 24 prensas hidráulicas e o da firma Simão & Cª, Ldª: Dada a sua elevada capacidade de extracção, estas empresas compravam já muita azeitona de fora do concelho, nomeadamente de Torres Novas, Golegã, Beira Baixa (Castelo Branco, Idanha, etc.), Évora, Ponte de Sôr (Domingão e Torre das Vargens), Santarém (Pombalinho), etc.

Em 1965 o Grémio da Lavoura de Abrantes, Constância, Sardoal e Mação fazia 25 anos e para comemorar as suas bodas de prata, solicitou à Fundação Calouste Gulbenkian o apoio necessário à realização de uma actividade relevante. Sugeriu esta, face à importância da olivicultura da região, que se organizasse um “Colóquio sobre olivicultura moderna”, com programa desenhado pelo Centro de Estudos de Economia Agrária”, que veio a constituir-se como um verdadeiro encontro nacional de olivicultura – talvez o primeiro do país – cujas actas das comunicações, dos melhores especialistas nacionais da época, estão publicadas em livro, sendo também possível perceber a colaboração do Professor Enrico Casini, grande especialista da época e docente da Universidade de Florença.

Estes dados, suportados na historiografia e em fontes documentais, permitem-nos afirmar que Abrantes tem sido, desde há muito, um lugar de destaque, não só no cultivo do olival, mas também na produção nacional de azeite. Desde há muito que parte substancial do azeite produzido aqui resulta também da transformação de azeitona doutras regiões e desde há muito que exportamos azeite para outras regiões internas e para o estrangeiro. Tal não podia deixar de acontecer, não só devido às condições ambientais, mas também à posição estratégica de Abrantes, exactamente no centro do país, numa localização geográfica privilegiada, junto ao maior rio da Península Ibérica, num entroncamento de regiões e dispondo de um porto fluvial que durante séculos fez dela uma plataforma logística entre o Ribatejo, a Beira, o Alentejo e a capital do país. Por isso se instalou aqui uma parte substancial da indústria portuguesa de azeite.

Mas a história não se faz apenas com fontes documentais. Por vezes seria até salutar que o historiador percorresse os lugares, mesmo quando não se trata de visitar vetustos e notáveis vestígios da arquitectura de outras épocas. Para sentir e descobrir os sinais das actividades quotidianas do povo simples é preciso, por vezes, fazermo-nos aos caminhos, percorrer os campos, embrenharmo-nos nos densos matagais e pisarmos, eventualmente sob os silvados que já cobrem as copas das árvores, as grossas camadas de húmus que cobrem os sinais das actividades humanas passadas. Aí nos surpreenderemos com a existência de lírios que sobreviveram décadas, como testemunho dos jardins que entremeavam as hortas seculares e veremos como oliveiras ancestrais são hoje abraçadas pelas sinuosas pernadas dos sobreiros que espontaneamente foram surgindo após o abandono dos olivais, vinhas e hortas consociadas. É toda uma arqueologia de actividades e modos de vida passados que, assim, se nos apresenta à medida que a floresta primitiva autóctone recupera terreno às actividades humanas, após o abandono a que têm sido sujeitas as nossas terras. Que interessante seria certificarmos a idade de oliveiras multisseculares, ou mesmo milenares, existentes no nosso concelho, algumas das quais - quando sobreviveram à lâmina voraz da motoserra e do rachador que as transforma em cavacas – se mantêm ainda por esses campos, ao abandono, tendo agora por companhia árvores mais pujantes, embora menos duradouras, e toda uma diversidade de sub-bosque de aroeiras, carrapeteiros, alfeneiros e muitos outros arbustos que tornam impenetráveis estes readquiridos domínios de paisagem desumanizada.

Filomena Gaspar, arqueóloga com vasta experiência de escavações na região de Abrantes, refere o aparecimento de mós pequenas, de uso doméstico, de períodos pré-romanos, sem contudo ter a certeza de terem sido usadas na produção de azeite, embora tal fosse possível. Contudo, correspondendo a vilas romanas com ocupação humana continuada entre os séculos I e V, encontrou pesos de lagar em Moinho do Meio (S. Miguel) e Olival Comprido (Alferrarede), e fossas da sua implantação em Fonte do Sapo (Mouriscas); mas refere ainda que outros arqueólogos deram notícias da sua existência em Aldeias (Mouriscas), Acolobre (Tramagal) e Bicas (S. Miguel). Acrescenta também a existência de uma pedreira entre Tramagal e Bicas, onde se faziam as mós e pesos de lagar, embora sem possibilidades de datar o início da exploração. Para o período medieval salienta a existência de inúmeros silos, mas sem possibilidades de afirmar o seu uso para o armazenamento de azeite ou azeitona, uma vez que a acidez dos solos de Abrantes destruiu quaisquer vestígios orgânicos que pudessem existir.

O resultado dos estudos e escavações de Filomena Gaspar evidencia, sem margem para dúvidas, que a produção de azeite em Abrantes tem, pelo menos, cerca de dois mil anos. Estamos perante uma revelação notável, que devia levar-nos a reflectir sobre a importância de encontrarmos os caminhos que nos permitam recuperar do abandono imensos terrenos, outrora olivais, agora abandonados à voracidade do mato espontâneo, dos quais nada retiramos hoje, num território em que já foram tão importantes e em que todos os anos investimos, mas apenas enviando-lhes todos os verões batalhões de bombeiros, para que não ardam. Talvez fosse um bom sinal se começássemos por lhes fazer algumas visitas – pobres árvores abandonadas e dilaceradas pelos maus tratos - em passeios bucólicos pelos campos, identificando os conjuntos mais significativos de oliveiras que são autênticas esculturas vivas e certificando depois a idade dos exemplares mais notáveis, para que todos admirassem o facto de ainda existirem seres que foram plantados no tempo dos romanos, de Aljubarrota ou de Vasco da Gama. As árvores monumentais devem morrer de pé.

Francisco Lopes
Janeiro 2011


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